Dona Maria foi minha máquina de lavar roupas por 25 anos. Eu tinha apenas 4 aninhos, quase metade do que minha filha tem hoje, quando ela entrou para a família e começou a facilitar a vida da minha mãe. Depois eu herdei a Dona Maria e passei a ser a beneficiada: ganhei horas e mais horas com a ajuda dela, nessa vida louca de mãe/esposa/dona-de-casa/trabalho/faculdade que as mulheres tem hoje em dia.
Dona Maria foi envelhecendo e, assim como muitos idosos nas famílias de qualquer mortal, começou a "dar trabalho". Mas quem rejeita um familiar que dedicou a vida à nossa família? Ela passou por alguns reparos, mas a maioria dos idosos que conheço também fez uma cirurgia ou outra para garantir uma sobrevida melhor.
Nos últimos tempos, a visita do "médico" foi ficando mais frequente, e ultimamente eu já tinha que vigiá-la durante parte do processo. A gente sabe que a hora vai chegar, mas a gente adia... não pensa nisso... Como planejamos mais crianças, sabíamos que a capacidade modesta de 4kg acabaria sendo insuficiente qualquer hora dessas, mas deixa isso pra depois...
Dona Maria era de ferro! Ninguém conseguia carregá-la sozinho. Sempre que alguém me contava que estava decepcionado com a nova máquina, que era de plástico e em 3 ou 4 anos já era, eu comentava orgulhosa sobre a minha ajudante de mais de duas décadas: "bate tão bem que a roupa sai virada do avesso!"
Eis que na última sexta-feira, 10 de Julho, o marido me contou que era dia da pizza! Fiquei animada para comemorar o dia de um dos meus pratos favoritos e sugeri que fôssemos a um ótimo restaurante que um amigo está dirigindo numa cidade próxima, mesmo após uma semana extremamente cansativa e tendo que trabalhar no outro dia de manhã.
Acontece que a criança, também cansada, com a barriguinha já cheia de pizza e refrigerante, dormiu no caminho de volta. Eu sempre falo pra ela fazer xixi antes de dormir, mas quando chega dormindo, coloco direto na cama. Resultado: uma rodinha molhadinha e fedorentinha no lençol+colcha+edredom+colchão, que eu só vi ontem, domingo de manhã, porque passamos o sábado fora.
Antes de colocar isso tudo pra lavar, eu já tinha colocado as roupinhas dela da semana de molho, então prossegui. Foi quando notei um clic-clec diferente vindo da Dona Maria... ela não estava batendo bem. Mexi, voltei, adiantei, conversei... e ela voltou, claro! Dona Maria era supimpa mesmo! Mas depois da lavagem das roupinhas, coloquei o edredom e o clic-clec voltou... Não estava batendo e estava jogando a água fora durante o molho. Fiquei preocupada! Combinamos de chamar o "médico" hoje de manhã para dar uma olhada.
Enquanto eu trabalhava hoje cedo, recebi a fatídica mensagem do marido: a hora inevitável havia chegado para a Dona Maria. Mandei uma mensagem avisando minha mãe, que também havia sido íntima dela, e saí com o marido na hora do almoço para comprar uma ajudante nova. Escolhi uma maior, mais moderna, mas fiz questão de que fosse uma descendente da Dona Maria! Afinal, a família de alguém que trabalhou tão bem por tantos anos merece algum crédito.
Quando voltei pra casa à noite, ainda tinha uma coisa para resolver: o lençol e a colcha ainda estavam com xixi, porque Dona Maria era muito pequenina pra lavar tudo ao mesmo tempo. Resolvi levá-la à sua última jornada, respirei fundo, tomei um café e coloquei a roupa pra lavar.
O processo foi conjunto, metade automático dela e metade manual meu. Enxerguei todo o cansaço de vinte e cinco anos de trabalho sem férias. No finalzinho, após um demorado enxágue com ajuda até da mangueira do quintal, ela já não queria centrifugar. Já melancólica por me despedir da minha ajudante fiel e desanimada pensando em estender aquela roupa de cama à mão, sussurrei: "vamos lá, Dona Maria! Dá só mais um último gás!"
E como se me ouvisse, num último suspiro de dignidade e coragem, Dona Maria deixou bravamente o clic-clec pra trás, começou a centrifugar quase tão perfeitamente como sempre, rodou e rodou e deixou a roupa de cama da criança apenas úmida, pronta pra ir pro varal. Depois fez um clic-clec final, ficou em silêncio e foi para o seu merecido sono profundo, dessa vez sem ter mais que acordar. E como quem fecha carinhosamente os olhos de um ente querido quando chega a hora, fechei a tampa dela para sempre.
Descanse em paz, Dona Maria. Você foi a melhor lavadora!